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Daniel Munduruku conta, em seu livro As Serpentes que roubaram a noite e outros mitos, que Karu Bempô, jovem guerreiro da tribo dos mundukuru, visitou por três vezes a morada da serpente em busca da noite. Na primeira visita, Karu Bempô ofereceu à serpente, em troca da noite, um arco e flecha. O presente foi recusado por Surucucu, a serpente, que justificou não ter os braços para usá-lo.
Na segunda visita, a oferta era uma matraca(instrumento musical) que prontamente foi amarrada no rabo da serpente. Entretanto, ela não possuia força suficiente para chacoalhar o instrumento, pois, a matraca era muito pesada. Mesmo assim, Surucucu deu a Karu Bempô um saquinho com um pouquinho da noite. Ao chegar na tribo, o saquinho foi aberto e de dentro dele a noite saiu e escureceu tudo. Imediatamente, guerreiros e animais dormiram profundamente. O sol escaldante que brilhava sem cessar permitiu que pessoas e animais repousassem um pouco. Porém, isso durou pouco tempo, e logo o sol voltou a brilhar alegremente. Vendo que a quantidade de noite não era suficiente para o descanso dos mundukuru e dos animais, Karu Bempô voltou ao ninho da serpente. Esta o esperava com um saco bem grande, cheio de noite, pois, sabia que ele voltaria. Surucucu exigiu um pote de veneno em troca da noite mais longa, e prometeu que usaria o veneno com bastante cuidado para não ferir as pessoas gravemente. Após alguns dias, quando a troca foi realizada, Surucucu alertou Karu Bempô que o saco só poderia ser aberto depois de algumas horas para que desse tempo de o veneno ser distribuído com critério entre as cobras da floresta.
Porém, quando Karu Bempô chegou na aldeia, o desespero do seu povo era tanto que acabaram arrancando das suas mãos o grande saco. Ao cair, ele se abriu e todo o universo foi invadido pela mais profunda escuridão. Na floresta, enquanto isso, as cobras avançaram no veneno e serviram-se dele sem nenhum cuidado. Assim, aquilo que deveria ser distribuído em quantidade pequena, apenas para que pudessem se defender das pessoas, transformou-se numa arma perigosa e fatal tornando as cobras inimigas mortais de outros animais. Os munduruku e os animais, por sua vez, gostaram muito de conseguir a noite de volta para descansar e iniciar o dia de trabalho com força e disposição.
*Este é o escritor Daniel Munduruku. Ele nasceu em 1964, em Belém do Pará. Cresceu ouvindo histórias indígenas na aldeia construída nos arredores da cidade. É formado em Filosofia e licenciado em História e Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP).Trabalhou com meninos de rua. Vive em São Paulo, onde fez pós-graduação na USP sobre o povo munduruku. Índio da nação tupu munduruku, Daniel é autor premiado de vários livros sobre a cultura indígena.
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*Este texto foi baseado no livro AS SERPENTES QUE ROUBARAM A NOITE E OUTROS MITOS, de Daniel Munduruku. São Paulo: Peirópolis, 2001.
Que conto mágico e espetacular, Denise. Me prendeu a atenção.
ResponderExcluirAs lendas dos nossas florestas e consequentemente dos índios brasileiros são maravilhosas. Não conhecia o Daniel Mundukuru e vou rrer atrás de uma obra dele para eu ler na sua totalidade.
Obrigado e muitos beijos.
Muito bom o texto. Gosto de quero mais!
ResponderExcluirAmigos Guará e Dom, obrigada pelas visitas e pelos comentários! Os mitos indígenas são ótimos e tem tudo haver com a nossa vida; coisas que não temos como explicar comparecem nestes mitos cobrindo certos espaços deixados pela lógica que usamos. Bjs!
ResponderExcluirProfª Silvana, seja bem-vinda e agradeço os comentários! Tenho visitado seu blog e já sou seguidora, com certeza estarei sempre por lá pois, ele é maravilhoso! Um grande Abraço!
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